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quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Abastecimento e sustentabilidade dependem da coexistência de fontes energéticas

El País
Manuel V. Gómez
Em Madri (Espanha)
O potencial da energia eólica é enorme. Um mundo cheio de moinhos de vento de 2,5 megawatts abasteceria toda a fome de energia que existe. Bastaria que funcionassem com 20% de sua capacidade. Em conjunto, produziriam cinco vezes mais energia do que a que é consumida atualmente em todo o globo. Só nos EUA seriam geradas 16 vezes a eletricidade que se consome. Para que isso fosse possível, seria preciso instalar geradores eólicos praticamente em todos os lugares. O estudo que fornece esses dados, elaborado pelos professores da Universidade Harvard Michael B. McElroy e Juha Kiviluoma, só livra dos enormes postes com aerogeradores e grandes hélices as cidades, as áreas geladas e as florestas.
Essa pesquisa de McElroy e Kiviluoma é um exercício acadêmico, na realidade. No entanto, salienta que, como dizia há algumas semanas o diretor financeiro da empresa espanhola Iberdrola Renovables, José Ángel Marra, argumentos extremos são fáceis de encontrar no debate energético. Mas o que parece claro é que hoje são necessárias todas as fontes de geração elétrica para garantir a segurança do abastecimento, manter os custos ou reduzir as emissões de CO2, como diz a maioria dos conhecedores do setor. Um argumento que, com matizes, é rejeitado pelos ecologistas e que outros consideram "clichê".

Depender exclusivamente da energia eólica - a renovável mais disseminada - em dias como o último 3 de agosto na Espanha teria sido um problema sério. Nesse dia, às 14 horas, quando o consumo elétrico se aproximava de 35 mil MW, os moinhos produziam apenas 1,7% da eletricidade que era consumida, embora a potência de geração instalada seja de 17%. E isto costuma ser habitual nos dias em que faz mais calor ou mais frio na península Ibérica. É comum que estes coincidam com uma grande estabilidade atmosférica, e por isso o vento não sopra.

Para enfrentar a queda da produção eólica necessária em 3 de agosto foi preciso recorrer aos ciclos combinados - centrais de geração elétrica que usam gás natural como combustível. Nessa hora eles assumiram pouco mais de 45% de toda a eletricidade que se produzia, segundo os dados da Rede Elétrica Espanhola (REE). Puxado por esses dados, pela mudança climática ou por sonoras discussões como a que foi organizada há um mês em torno da central nuclear de Garoña (Burgos), ressurge com frequência o debate sobre qual deve ser o parque de geração elétrica.

"Todas as energias são necessárias", clamam na Unesa, a organização patronal do setor. É a opinião majoritária dos especialistas. A ela soma-se Jorge Fernández, diretor-geral adjunto da Intermoney Energía. Ignacio Cruz, diretor do departamento eólico do Centro de Pesquisas Energéticas, Ambientais e Tecnológicas (Ciemat), parece apoiá-la, embora com nuances, quando afirma: "Sim, seria possível prescindir dela, mas perderíamos em segurança [de abastecimento]".

Pelo lado ecológico, Ladislao Martínez aceita esse argumento, mas para ele nem todas as energias são necessárias. Para chegar a essa conclusão, compara os 90 mil MW de capacidade de produção que tem o parque de geração espanhol com os 44.786 que foram exigidos no dia de maior consumo registrado, um distante 17 de dezembro de 2007. Nessa grande capacidade de produção têm grande responsabilidade a eólica e o gás - através do ciclo combinado. Há apenas alguns anos praticamente não existiam. Quase não faziam parte do "mix" elétrico - palavra com a qual o setor denomina habitualmente o parque básico de geração. Até 2002, na Espanha não houve uma só central de ciclo combinado. Sete anos depois, o vento e o gás representam em torno de 40% da potência de geração instalada e uma porcentagem semelhante do consumo. O resto é dividido de forma desigual entre a energia nuclear, o carvão, as quedas d'água, outras renováveis - mini-hidráulica, fotovoltaicas ou biomassa -, o combustível.

Mas o mix energético não é uma foto fixa. Com toda a segurança, o peso das energias renováveis aumentará no futuro. Até 2020 o objetivo é que representem 20% da energia primária - o conjunto de toda a energia utilizada, incluindo o transporte e a eletricidade - e 40% da elétrica. E isso afinal conduz a uma série de perguntas. Qual é o limite das energias renováveis? Pode-se prescindir de alguma? Há um parque de geração perfeito ou ideal?

"O mix ideal em princípio não existe", admite Fernández, da Intermoney Energía, respondendo à última pergunta. "Na realidade reflete as expectativas dos políticos", continua, e cita o caso da França, onde a nuclear produz quase 80% da eletricidade. "Um mix deve ser capaz de garantir a prioridade de abastecimento", afirma Miguel Duvisón, diretor de operação da REE. E isso, da perspectiva do gestor do sistema, é garantido pela geração térmica - ciclo combinado, combustível ou nuclear - e a grande hidráulica. São energias nas quais, em grandes traços, é simples fazer coincidir a disponibilidade com a vontade do consumidor.
Mas ao mesmo tempo que se garante a prioridade de abastecimento, explica Duvisón, o gestor também tem presentes outros objetivos: baratear os custos, reduzir a dependência do fornecimento energético do exterior - que no caso espanhol beira os 80% -, controlar as emissões de CO2 e garantir o abastecimento em longo prazo.

Critérios muito parecidos são os da Unesa. A patronal explica que para determinar qual deve ser o mix energético de um país é preciso levar em conta três fatores: geoestratégicos ou geopolíticos, ambientais e econômicos.

Atendendo a esses critérios, o recurso às energias renováveis parece evidente. São abundantes, autóctones, o combustível - embora não a produção - é bem barato e sua contribuição à luta contra a mudança climática é inquestionável. Mas a imprevisibilidade é seu calcanhar de Aquiles, um obstáculo para o primeiro princípio enunciado por Duvisón: "garantir a prioridade do abastecimento". Veja o exemplo da energia eólica. Das 8.760 horas que tem um ano, um aerogerador está em pleno rendimento em média 2.200 horas. Na opinião dos especialistas, o aumento das energias renováveis - sobretudo da eólica e da solar - no parque de geração elétrica exige fontes de apoio para cobrir a imprevisibilidade. "Se forem colocadas mais fontes não programáveis, há necessidade de mais colchão", explicam na REE. Nesse "colchão" entrariam, por sua flexibilidade, boa parte da geração térmica - gás, combustível e carvão - e também da hidráulica.

O porta-voz da Plataforma Contra as Centrais Térmicas, Ladislao Martínez, concorda que as renováveis precisam de um respaldo, e não que as térmicas sejam a fonte curinga à qual recorrer. Para ele, a solução está na chamada hidráulica de bombeamento - um tipo de geração elétrica composta de uma corrente e duas represas que permite elevar a água de uma para outra e reutilizá-la, e portanto uma forma de armazenar energia - que, além disso, tem uma capacidade de desenvolvimento potencial na Espanha de cerca de 3 mil MW sobre os que já estão instalados.

Ignacio Cruz, do Ciemat, dependente do Ministério da Indústria, também confia na hidráulica renovável como o "colchão" de outras renováveis "intermitentes". Além disso, ele dá ênfase para outros instrumentos como a previsão meteorológica. Por sua parte, Gonzalo Sáenz de Miera, da Iberdrola Renovables, que defende "a insustentabilidade" do mix energético atual por razões ambientais e a excessiva dependência dos combustíveis fósseis, acredita que conforme aumente a presença das renováveis será necessário o colchão do ciclo combinado e da hidráulica bombeável.

Mais difícil para desempenhar o papel de colchão é a sempre polêmica energia nuclear. Indicada por seus defensores como a solução para a mudança climática devido a seu baixo nível de emissões de CO2, e criticada pelos resíduos radioativos que gera ou os grandes investimentos que exige, essa fonte na Espanha não se caracteriza pela flexibilidade, algo necessário para um parque de geração com um peso crescente das renováveis. O desenho inicial das centrais as obriga a funcionar sempre no máximo de sua capacidade, e por isso sua contribuição para o sistema, salvo quando estão paradas, é constante.

Toda essa revisão leva a Unesa a uma conclusão tão simples quanto lógica: "Todas as tecnologias têm suas vantagens e seus inconvenientes". Formulada essa premissa, eles afirmam com contundência que todas as energias são necessárias. Não só agora, mas também no futuro. Conclusão que encontra a rejeição do Greenpeace, que em um relatório já antigo, de abril de 2007, tenta demonstrar que em 2050 toda a eletricidade produzida na Espanha poderá vir de fontes renováveis.

Muito cético com ambas as conclusões mostra-se Paul Isbell, do Instituto Elcano. Para ele, a frase "todas as energias são necessárias" é um dos grandes clichês. Não é o único. Isbell aponta outros dois: "toda a energia pode ser produzida com renováveis" e "a nuclear é imprescindível". "Em um sistema elétrico como o espanhol há um limite sobre a contribuição viável das energias renováveis que o consenso situa em torno de 40%. E isto abre a porta para o argumento de que a energia nuclear é insubstituível", afirma. Mas na opinião de Isbell tudo mudaria se o sistema elétrico espanhol deixasse de ser uma ilha.

Neste momento as interconexões com a França representam apenas 1.300 MW, indica a REE. "Se o sistema for aberto com mais interconexões, muda a perspectiva das renováveis", continua Isbell, que cita os países nórdicos como exemplo de lugares onde a melhora e a ampliação da rede permitiram aumentar sua contribuição ao sistema. Para ele, inclusive se aumentar o uso da eletricidade nos carros na Espanha, com uma rede elétrica de maior extensão e qualidade, se poderia satisfazer a demanda só com renováveis e ciclo combinado.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

FONTE:http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2009/08/31/ult581u3449.jhtm

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"Na busca da sabedoria, o primeiro estágio é calar, o segundo ouvir, o terceiro memorizar, o quarto praticar, o quinto ensinar."Rabi Salomon Ibn Gabirol (Século XI; Espanha)

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