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segunda-feira, 14 de março de 2011

Chegada da família real portugesa: carnaval na Bahia

Quando a corte portuguesa desembarcou em Salvador, teve início uma festa que durou mais de um mês

por André Luís Mansur

Após tantos dias ao sabor dos humores do oceano e em meio a toda sorte de imprevistos, a visão da baía de Salvador surgia como um sonho. A exuberante natureza parecia até sorrir para os maltratados nobres portugueses. Mesmo descontando o efeito de uma certa fome de terra firme pelo qual passava o pessoal a bordo, a paisagem encantava: de um lado e de outro, ilhas de vários tamanhos e praias virgens encimadas por uma coroa verdejante; à frente, as cintilantes construções brancas no alto de um morro, emolduradas por uma mata luxuriante. Na chegada à Bahia, dia 22 de janeiro de 1808, a colônia parecia bem melhor que a encomenda.

A única peça fora do lugar naquele primeiro contato era o estranho vazio no cais da cidade. Postado nas docas, havia apenas a figura do governador da província, João Saldanha da Gama. Logo apareceu também o arcebispo dom José da Santa Escolástica. Dom João estranhou tanta calmaria. E o governador apressou-se em explicar que preferia, primeiro, receber o príncipe, para depois levá-lo ao povo. O monarca português, então, retrucou: “Deixe o povo vir como quiser, porque deseja ver-me”.

Dom João e a corte decidiram esperar que toda a arrumação fosse providenciada. O desembarque ocorreu um dia depois, sob um autêntico carnaval baiano – com direito a tiros de canhão, sinos repicando nas muitas igrejas de Salvador e uma imensa multidão aglomerada no cais da Ribeira. Era a primeira vez que um monarca europeu pisava numa de suas colônias.

SUJA E MISERÁVEL

Ao pisar em terra, a comitiva real deparou-se com um cenário muito diferente do paraíso que Salvador parecia quando vista do mar. A cidade era suja, miserável e de um mau cheiro exasperador. Fezes eram jogadas na rua, havia lojas barulhentas e animais soltos. Esse era o retrato da área baixa, onde se concentrava a população mais pobre.

Mas festa é festa, e os portugueses tinham todos os motivos para mergulhar naquele autêntico carnaval baiano. Dom João e comitiva seguiram pela rua da Preguiça até a Ladeira da Gameleira, chegando ao largo do Theatro (atual Praça Castro Alves). Depois, todos se dirigiram à Igreja da Sé, onde o arcebispo celebrou um Te Deum Laudamus, em agradecimento pelo sucesso da viagem. No dia 24 de janeiro, houve o desembarque definitivo de toda a corte. A exceção foi Carlota Joaquina – ela só desceu do navio no dia 28. Dom João ficou hospedado na melhor casa da cidade, o Palácio do Governador, enquanto a comitiva foi para a Casa de Relação, uma espécie de Palácio da Justiça.

Os detalhes que cercam a chegada da corte a Salvador são bem conhecidos. Mas um mistério ainda suscita debates: por que dom João decidiu passar pela Bahia antes de se instalar no Rio de Janeiro? Para muitos pesquisadores, a mudança de rumo se deveu às fortes tempestades que avariaram alguns navios da frota. Mas o historiador inglês Kenneth Light, que pesquisou durante anos os diários de bordo dos navios britânicos que acompanharam a esquadra portuguesa, apresenta uma versão mais plausível.

Light reforça a tese de que a visão política de dom João predominou, contrariando a imagem de um monarca indolente e obtuso. Segundo o historiador, as embarcações não ficaram à deriva e o príncipe teria comunicado a decisão da mudança de rota no dia 21 de dezembro de 1807 – 11 dias após a terrível tormenta. Salvador tinha sido a primeira capital da colônia e ainda era um importante centro de decisões. Havia um grande ressentimento dos moradores com a mudança da capital para o Rio, em 1763, e o grande receio do governante português era que esse sentimento provocasse algum tipo de insurreição.

SIMPATIA DO POVÃO

Durante sua estada na Bahia, dom João tomou decisões importantes, como a criação da escola médico-cirúrgica (o primeiro curso de nível superior do país e que iria se transformar na Faculdade de Medicina) e da primeira companhia de seguros do Brasil. Também tratou de garantir a simpatia do povão. Mandou reduzir a pena daqueles que estavam presos. E chegou a distribuir moedas de prata na rua, num dia de efusiva manifestação popular.

Apesar da insistência das autoridades locais, que queriam até construir um palácio para dom João, o príncipe-regente finalmente embarcou para o Rio de Janeiro no dia 26 de fevereiro, argumentando que Salvador era mais vulnerável a um ataque francês. Mas designou, em 1810, dom Marcos de Noronha e Brito – conde dos Arcos e último vice-rei do Brasil – para governar a Bahia.



Momento família

Passeios e descontração marcaram a passagem do príncipe regente pela Bahia
Dom João fez passeios e aproveitou raros momentos de informalidade. Na visita à ilha de Itaparica, junto com o filho Pedro, acabou por pernoitar na casa de um morador. Impedido de voltar por causa de uma tempestade, o monarca ficou hospedado na residência de João Antunes Guimarães. Mais tarde, Pedro I voltaria ao local, já como o imperador. Hoje, a construção é sede da Secretaria de Turismo de Itaparica.

Saiba mais
LIVRO

Uma história da cidade da Bahia, Antonio Risério, Versal, 2004

A história da Bahia contada desde antes de Cabral até os dias atuais, numa narrativa leve e agradável.


Altos e baixos de Salvador

A capital da província no século 19 vivia uma profunda divisão social
Como toda cidade brasileira da época, Salvador apresentava condições quase medievais de higiene e organização. “Foi, sem nenhuma exceção, o lugar mais sujo em que eu tenha estado”, resumiu a inglesa Maria Graham – que seria a responsável pela educação de Maria da Glória, filha do futuro imperador dom Pedro I.

A educadora viajou pelo país no século 19 e descreveu em seu diário as condições do lado pobre da capital baiana: fezes no meio da rua, lojas barulhentas, porcos andando soltos e muita miséria. No quarteirão comercial da cidade baixa, ficavam o cais, o arsenal, a oficina marítima e o mercado de escravos – “uma cena que ainda não aprendi a ver sem vergonha e indignação”, escreveu Graham.

A divisão entre cidade alta (onde viviam os ricos) e cidade baixa (reservada aos pobres) fez de Salvador a perfeita tradução da profunda desigualdade social que existia na colônia. A capital da província tinha cerca de 50 mil habitantes – na maioria, negros e mulatos. Estava em franca decadência econômica por dois motivos: a concorrência da cana-de-açúcar das Antilhas, que diminuiu drasticamente a exportação dos engenhos baianos, e a mudança da capital do Brasil para o Rio, em 1763.

Se na parte baixa predominava o mau cheiro, na alta havia praças amplas, chafarizes e igrejas grandiosas. A Praça do Palácio era o epicentro dessa opulência. A Biblioteca Pública contava com quase 5 mil livros – um luxo para a época. O belo Teatro São João, no largo do Theatro (atual Praça Castro Alves), oferecia vista para o mar. E o Passeio Público, era um jardim amplo e iluminado, com alamedas ladeadas por árvores frutíferas.

Fonte de Pesquisa:http://historia.abril.com.br/politica/chegada-familia-real-portugesa-carnaval-bahia-435946.shtml

3 comentários:

  1. E foi assim que tudo começou e estamos onde estamos hoje, com tantos costumes forem possíveis trazidos das épocas da colonização.
    Um abraço

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  2. Gostei muito do seu artigo. Faz pouco tempo li um livro escrito por uma escritora brasileira sobre D.Pedro I do Brasil. Começava exactamente pelo desembarque de D. João e contava a história de D. Pedro até à sua morte em Lisboa. Não sei se sabe que o coração de D. Pedro está no Porto, por pedido expresso do monarca.
    D. João era na verdade, mais astuto do que se pensava. Tinha uma mulher que era uma megera.
    Desculpe ter-me perdido em considerandos
    Abs

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  3. Excelente post, sempre abastecidos com cultura!

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"Na busca da sabedoria, o primeiro estágio é calar, o segundo ouvir, o terceiro memorizar, o quarto praticar, o quinto ensinar."Rabi Salomon Ibn Gabirol (Século XI; Espanha)

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